quarta-feira, 8 de julho de 2009

do miguel sousa tavares, no expresso

Conversa entre mim e uma amiga (…):
— É sempre assim, esta auto-estrada?

— Assim, como?
— Deserta, magnífica, sem trânsito?
— É, é sempre assim.
— Todos os dias?
— Todos, menos ao domingo, que sempre tem mais gente.
— Mas, se não há trânsito, porque a fizeram?
— Porque havia dinheiro para gastar dos Fundos Europeus, e porque diziam que o desenvolvimento era isto.
— E têm mais auto-estradas destas?
— Várias e ainda temos outras em construção: só de Lisboa para o Porto, vamos ficar com três. Entre S. Paulo e o Rio de Janeiro, por exemplo, não há nenhuma:
só uns quilómetros à saída de S. Paulo e outros à chegada ao Rio. Nós vamos ter três entre o Porto e Lisboa: é a aposta no automóvel, na poupança de energia,
nos acordos de Quioto, etc. — respondi, rindo-me.
— E, já agora, porque é que a auto-estrada está deserta e a estrada nacional está cheia de camiões?
— Porque assim não pagam portagem.
— E porque são quase todos espanhóis?
— Vêm trazer-nos comida.
— Mas vocês não têm agricultura?
— Não: a Europa paga-nos para não ter. E os nossos agricultores dizem que produzir não é rentável.
— Mas para os espanhóis é?
— Pelos vistos...
Ela ficou a pensar um pouco e voltou à carga:
— Mas porque não investem antes no comboio?
— Investimos, mas não resultou.
— Não resultou, como?
— Houve aí uns experts que gastaram uma fortuna a modernizar a linha Lisboa-Porto, com comboios pendulares e tudo, mas não resultou.
— Mas porquê?
— Olha, é assim: a maior parte do tempo, o comboio não 'pêndula'; e, quando 'pendula', enjoa de morte. Não há sinal de telemóvel nem Internet, não há restaurante,
há apenas um bar infecto e, de facto, o único sinal de 'modernidade' foi proibirem de fumar em qualquer espaço do comboio. Por isso, as pessoas preferem
ir de carro e a companhia ferroviária do Estado perde centenas de milhões todos os anos.
— E gastaram nisso uma fortuna?
— Gastámos. E a única coisa que se conseguiu foi tirar 25 minutos às três horas e meia que demorava a viagem há cinquenta anos...
— Estás a brincar comigo!
— Não, estou a falar a sério!
— E o que fizeram a esses incompetentes?
— Nada. Ou melhor, agora vão dar-lhes uma nova oportunidade, que é encherem o país de TGV: Porto-Lisboa, Porto-Vigo, Madrid-Lisboa... e ainda há umas ameaças
de fazerem outro no Algarve e outro no Centro.
— Mas que tamanho tem Portugal, de cima a baixo?
— Do ponto mais a norte ao ponto mais a sul, 561 km. Ela ficou a olhar para mim, sem saber se era para acreditar ou não.
— Mas, ao menos, o TGV vai directo de Lisboa ao Porto?
— Não, pára em várias estações: de cima para baixo e se a memória não me falha, pára em Aveiro, para os compensar por não arrancarmos já com o TGV deles
para Salamanca; depois, pára em Coimbra para não ofender o prof. Vital Moreira, que é muito importante lá; a seguir, pára numa aldeia chamada Ota, para
os compensar por não terem feito lá o novo aeroporto de Lisboa; depois, pára em Alcochete, a sul de Lisboa, onde ficará o futuro aeroporto; e, finalmente,
pára em Lisboa, em duas estações.
— Como: então o TGV vem do Norte, ultrapassa Lisboa pelo sul, e depois volta para trás e entra em Lisboa?
— Isso mesmo.
— E como entra em Lisboa?
— Por uma nova ponte que vão fazer.
— Uma ponte ferroviária?
— E rodoviária também: vai trazer mais uns vinte ou trinta mil carros todos os dias para Lisboa.
— Mas isso é o caos, Lisboa já está congestionada de carros!
— Pois é.
— E, então?
— Então, nada. São os especialistas que decidiram assim. Ela ficou pensativa outra vez. Manifestamente, o assunto estava a fasciná-la.
— E, desculpa lá, esse TGV para Madrid vai ter passageiros? Se a auto-estrada está deserta...
— Não, não vai ter.
— Não vai? Então, vai ser uma ruína!
— Não, é preciso distinguir: para as empresas que o vão construir e para os bancos que o vão capitalizar, vai ser um negócio fantástico! A exploração é
que vai ser uma ruína — aliás, já admitida pelo Governo — porque, de facto, nem os especialistas conseguem encontrar passageiros que cheguem para o justificar.
— E quem paga os prejuízos da exploração: as empresas construtoras?
— Naaaão! Quem paga são os contribuintes! Aqui a regra é essa!
— E vocês não despedem o Governo? Claro que não Olha só se despede quando algum membro do governo faz CORNOS aos deputados da oposição ... tu falas de cornos no parlamento? sim claro foi no debate que o governo fez sobre a Nação o ministro da economia quando estava a falar para os deputados virou-se para os deputados da opsição e fez jestos com os dedos que revelava um par de cornos, aquilo parecia mas era em vez do nosso parlamento parecia o campo pequeno so faltava fazerem pegas de caras ....
Sabes quem assinou os acordos para o TGV com Espanha foi a oposição, quando era governo...
— Que país o vosso! Mas qual é o argumento dos governos para fazerem um TGV que já sabem que vai perder dinheiro?
— Dizem que não podemos ficar fora da Rede Europeia de Alta Velocidade.
— O que é isso? Ir em TGV de Lisboa a Helsínquia?
— A Helsínquia, não, porque os países escandinavos não têm TGV.
— Como? Então, os países mais evoluídos da Europa não têm TGV e vocês têm de ter?
— É, dizem que assim entramos mais depressa na modernidade.
Fizemos mais uns quilómetros de deserto rodoviário de luxo, até que ela pareceu lembrar-se de qualquer coisa que tinha ficado para trás:
— E esse novo aeroporto de que falaste, é o quê?
— O novo aeroporto internacional de Lisboa, do lado de lá do rio e a uns 50 quilómetros de Lisboa.
— Mas vocês vão fechar este aeroporto que é um luxo, quase no centro da cidade, e fazer um novo?
— É isso mesmo. Dizem que este está saturado.
— Não me pareceu nada...
— Porque não está: cada vez tem menos voos e só este ano a TAP vai cancelar cerca de 20.000. O que está a crescer são os voos das low-cost, que, aliás,
estão a liquidar a TAP.
— Mas, então, porque não fazem como se faz em todo o lado, que é deixar as companhias de linha no aeroporto principal e chutar as low-cost para um pequeno
aeroporto de periferia? Não têm nenhum disponível?
— Temos vários. Mas os especialistas dizem que o novo aeroporto vai ser um hub ibérico, fazendo a trasfega de todos os voos da América do Sul para a Europa:
um sucesso garantido.
— E tu acreditas nisso?
— Eu acredito em tudo e não acredito em nada. Olha ali ao fundo: sabes o que é aquilo?
— Um lago enorme! Extraordinário!
— Não: é a barragem de Alqueva, a maior da Europa.
— Ena! Deve produzir energia para meio país!
— Praticamente zero.
— A sério? Mas, ao menos, não vos faltará água para beber!
— A água não é potável: já vem contaminada de Espanha.
— Já não sei se estás a gozar comigo ou não, mas, se não serve para beber, serve para regar — ou nem isso?
— Servir, serve, mas vai demorar vinte ou mais anos até instalarem o perímetro de rega, porque, como te disse, aqui acredita-se que a agricultura não tem
futuro: antes, porque não havia água; agora, porque há água a mais.
— Estás a dizer-me que fizeram a maior barragem da Europa e não serve para nada?
—Vai servir para regar campos de golfe e urbanizações turísticas, que é o que nós fazemos mais e melhor. Apesar do sol de frente, impiedoso, ela tirou
os óculos escuros e virou-se para me olhar bem de frente:
— Desculpa lá a última pergunta: vocês são doidos ou são ricos?
— Antes, éramos só doidos e fizemos algumas coisas notáveis por esse mundo fora; depois, disseram-nos que afinal éramos ricos e desatámos a fazer todas
as asneiras possíveis cá dentro; em breve, voltaremos a ser pobres e enlouqueceremos de vez.
Ela voltou a colocar os óculos de sol e a recostar-se para trás no assento. E suspirou:
— Bem, uma coisa posso dizer: há poucos países tão agradáveis para viajar como Portugal! Olha-me só para esta auto-estrada sem ninguém

3 comentários:

IM disse...

Tu sabes que sou muito crítica com o nosso país, mas confesso que nem tudo é assim tão mau e lendo as tuas linhas parece que quase nenhum investimento público faz sentido.

A Barragem de Alqueva foi construída, entre outros, com os objectivos de regadio para toda a zona do Alentejo e produção de energia eléctrica. Já foram construídas várias infra-estruturas e muitas outras estão em fase avançada de projecto. Podes ver a evolução do projecto no site da EDIA. Os objectivos não estão todos cumpridos, mas este é um projecto a longo prazo.

O aeroporto, bem o aeroporto é complicado. Verdade seja dita (e eu que gosto tanto do aeroporto da Portela) não é normal que uma capital europeia tenha o aeroporto no centro da cidade!!! Claro que quando o aeroporto foi construído não era no centro, a cidade é que cresceu… Eu não entendo nada de engenharia, nem de arquitectura, mas sei que não me agrada ver e ouvir os aviões a passarem ao lado da minha janela todos os dias…

A questão do TGV é mais delicada… Como sabemos, a União Europeia tem apostado numa rede europeia de Alta Velocidade, para além disso, a posição periférica de Portugal faz com que seja necessário dotar o nosso país de acessibilidades que permitam padrões de mobilidade sustentável competitivos com os restantes países europeus, no transporte de passageiros e mercadorias. Não nos podemos esquecer que não falamos apenas de transporte de passageiros.

O traçado é que levanta algumas dúvidas…

Portugal não tem uma mentalidade de transporte público. Creio que isso se deve, em grande parte, à falta de políticas sérias de transportes. Contudo, existem diversos exemplos em que essa tendência não se verifica. Um desses exemplos é a travessia ferroviária do Tejo e outro é o Metro.

Tu sabes que uma boa rede de transportes leva as pessoas a deixar o carro em casa, como acontece em Inglaterra.

Mas repara, em Lisboa os transportes públicos funcionam e, mesmo assim, as pessoas preferem trazer o carro, aguentar intermináveis filas de trânsito e alimentar diariamente taxímetros esfomeados!

A nova travessia do Tejo será concebida para a linha de Alta Velocidade assim como para a rede convencional. Esta travessia será apenas ferroviária, apesar de estarem a ser elaborados estudos relativos à possibilidade de se introduzir uma valência rodoviária, o que pode acontecer posteriormente – à semelhança do que se verificou na ponte 25 de Abril.

E Miss Pine Tree, se tu vivesses na margem sul do Tejo entenderias a importância de outra ponte … :)

Temos que apostar em políticas sérias no que concerne ao uso de transportes públicos. O mais difícil é mudar as mentalidades…

IM disse...

Só agora é que vi que retiraste este texto do Expresso...

Maria disse...

só agora é que tive tempo de ler o teu texto.
claramente que concordo com políticas extremas (até porque nunca fui pessoa de meias medidas, nem no que diz respeito ao cabelo!)

obviamente que são necessários muitos investimentos públicos e obviamente que em muitos campos (principalmente no nosso país).

agora.. em relação à barragem, nada contra.
em relação ao aeroporto, tenho pena que andem 'à porra e à massa' por causa de interesses menores e não de interesses comuns.
em relação ao tgv.. já tenho algumas críticas. como sabes ainda na semana passada fui ao porto, fiz uma viagem tranquilíssima (metade ao telemóvel contigo), cómoda e rápida. não me parece que pagaria mais para ir no tgv e demorar menos meia hora. concordo com o tgv, sim, para nos tirar daqui para fora, ou seja, para nos ligar a madrid, por exemplo.
esperamos todos que as políticas dos srs ferroviários mudem e deixem de ter bilhetes mais caros que as companhias aéreas. é realmente absurdo.
o comboio é pratico, não tem horário de check in e não tem checks ups anatómicos à chegada.
portanto, façam lá um troço mais pequeno para o tgv e invistam o dinheiro em rede de telemóvel (que tivemos ali umas falhas de comunicação ali entre aveiro e ovar), num bar decente e em fichas para ligar o portátil.. (ouvi dizer que o alfa tem, mas estão desligadas..!)
quanto ao metro.. acho que já está muito bom, tenho visto gente a todas as horas e não tarda vai começar a espalhar-se para os subúrbios (provavelmente à superfície como no norte!), incluindo para a margem sul.
e depois de tudo isto, só falta mesmo começarmos a ir para o bairro mais cedo e conseguirmos implementar, com segurança, uma rede nocturna de autocarros que abranja toda a cidade.
=)
eu gostava!