quarta-feira, 25 de maio de 2011

Amarelo



O meu calendário biológico está entre o Natal e ao final do Ano. Acho que vou fazer uma 'to do' list com um pincel e tinta amarela.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Augusto Cury

Foi-me apresentado agora com estes belos exemplares. Já li o primeiro e  não há coincidências.

Obrigada A.



segunda-feira, 16 de maio de 2011

Submerge

Derivo nos sonhos. Derivo de costas voltadas para mim. Inalo a água que me pesa e me leva ao fundo. E numa manhã cinzenta sou capaz de inspirar este mundo e o outro. O outro que não sei qual é. Mando às couves o pensamento e o coração. O de rejeição é o pior de todos os sentimentos mas acordar é o melhor deles. Dar com os pés, deitar a água fora. Emergir.  Não conto em número estas andanças muito menos as meço em profundidade. Só queria não ter que te perder todos os dias depois daquele. Só não queria ter que te chorar cada vez que abro os olhos. Deixa-me no meu canto. Porque o meu canto é até onde eu vejo da minha janela. O meu canto é isto tudo. Isto tudo.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Faças o que fizeres será mal feito

'A minha mãe tem noventa e três anos, está cega, está surda, é um farrapinho que o menor sopro leva e, no entanto, lembra-se do peso com que os seis filhos nasceram, das peripécias de cada parto, dos primeiros dentes, do momento em que começaram a falar, a andar, a tudo o resto, doenças, operações ao apêndice, gracinhas, e dá-me ideia que os considera, ainda hoje, como as crianças que foram, mascaradas de adultos. Ontem, ao despedir-me dela, beijei-a e a reação foi
- Isso é maneira de se dar um beijo?
seguida de
- Um beijo como deve ser, se fazes favor
e lá lhe pus, na bochecha, um beijo como deve ser. E tinha razão porque me limitara a roçar-lhe a testa com a boca. Várias vezes a ouvi perguntar aos meus irmãos
- Não sabes dar um beijo como deve ser?
de pé, minúscula, mirando as sombras que agora somos para ela e que, mesmo assim, consegue avaliar
- Estás mais gordo, estás mais magro
com uma exactidão infalível. Passa connosco os jantares de quinta-feira em silêncio, o Pedro grita-lhe na orelha as poucas coisas que lhe dizemos, vive, sem uma queixa, numa solidão absoluta
- O que é que faz o dia todo?
- Penso
às voltas com recordações, memórias. Uma ocasião, ainda o meu pai estava vivo, sentiu-se mal. Formaram-se duas brigadas de filhos, metade permaneceu em casa a acompanhar o meu pai, a outra metade partiu com ela para a Cuf. Sem uma queixa, exigiu, antes de partir, subir ao primeiro andar para se pôr mais bonita: maquilhou-se melhor, penteou-se melhor, apareceu com uma écharpe, um broche e um sorriso
- Até logo ou até ao outro mundo
e, por acaso, foi até logo. Isto sem alarme, sem pânico, sem patetismo algum: absolutamente tranquila:
- Até logo ou até ao outro mundo
e que lição de dignidade vinda de uma pessoa que diz ter muito medo da morte. Eu sou o mais velho e, ao nascer, quase a matava de uma eclampsia. Depois de me tirarem a ferros quem ia indo desta para melhor era eu, porque toda a gente, ocupada com a moribunda, se esqueceu de mim. Segundo a lenda familiar foi uma tia velha, uma das primeiras senhoras a matricularem-se em Medicina, quem me descobriu sem respirar. E, não me lembro como, porque a memória dos meus primeiros minutos, ignoro porquê, não é lá muito boa, conseguiram reanimar o crianço. Mas antes disso, quando transportavam a minha mãe para a sala de partos, já com visão dupla e os outros sintomas todos, conta ela que a maca passou pelo meu pai, encostado à parede do corredor. A minha mãe
- Eu não te disse que ia morrer?
E o meu pai não encontrou melhor resposta do que
- E o que é que queres que eu faça?
e até ao dia de hoje ela não esqueceu esta frase. Ao falar nisto, muito mais tarde, o meu pai continuava sem lhe entender a indignação
- E o que é que tu querias que eu fizesse, realmente?
como se continuasse, encostado à parede, a ver passar a mulher moribunda. Aliás a doença e a morte são assuntos a que nos referimos pouco entre nós, o pudor sempre nos impediu a expressão, em voz alta, dos sentimentos mais íntimos, e gostamos uns dos outros sem falar nisso. Sofre-se calado e acompanha-se o sofrimento calado. Em regra tampouco se cumprimenta um de nós pelos seus sucessos ou se critica o que não gostamos: uma espécie de princípio de vasos comunicantes silenciosos chega. Quando de um problema de saúde na tribu, em lugar de soprar fosse o que fosse ao meu irmão que o teve ofereci-lhe um pião e o respectivo cordel, um pião igual àqueles que deitávamos em criança, de pau e com um prego a fazer de bico. Não se calcula a quantidade de emoções que um pião sabe explicar, ou como um pião é capaz de resumir os numerosíssimos afectos de uma vida inteira. O meu irmão percebeu. Eu sabia.
E chega.
Tenho estado para aqui a escrever sobre a minha mãe e, se calhar, parece que gosto muito dela: não é verdade. A nossa relação é demasiado complexa, como qualquer relação verdadeira, mas não vou, evidentemente, falar disso. E a relação de um homem com os pais foi sempre um assunto penoso, cheio de julgamentos implacáveis, muitas vezes injustos, muitas vezes cruéis, olhando-se mutuamente num rancor de acusados. Quando um amigo de Freud lhe perguntou como educar o filho, Freud respondeu
- Faças o que fizeres será mal feito
e eis uma verdade do tamanho do mundo, pela qual os pais e os filhos pagam um preço demasiado grande. Um preço insuportável. Não merece a pena andar com paninhos quentes dado que não se pode escapar disto. Recordo-me de uma senhora para o marido
- Gostas de mim, Zé?
e do marido
- Isso são coisas a que não se pode responder de ânimo leve
que me dá ideia, embora o senhor, na cabeça dele, estivesse a brincar, que me dá ideia de ser a única resposta honesta possível. A frase
- Isso são coisas a que não se pode responder de ânimo leve
gira-me há anos e anos, na cabeça, a mim que pertenço à classe dos eternos culpabilizados e questiono sempre tudo. Não me apetece insistir nesta matéria. Primeiro porque dói, segundo porque ninguém tem nada a ver com isso e terceiro porque não se deve pôr um coração debaixo de cada palavra. Os livros que escrevi, o livro que escrevo agora, os livros que, se tiver tempo, escreverei, falam o suficiente de vocês e de mim. A nossa sede de amor é inextinguível. Mas não vou passear pela rua de caneca na mão.'
António Lobo Antunes in Visão

sábado, 7 de maio de 2011

Principal medida do FMI

Manter este país um mês a trabalhar com a mesma efusão com que carrega às costas o futebol.

terça-feira, 3 de maio de 2011

País sem Rumo


É de 1978 este livro que me anda a tirar o sono. A minha falta de conhecimento política (tanto a actual como a menos actual) fizeram-me rebuscar uns livros na biblioteca lá de casa para ver se começava por perceber como é chegámos aqui e, talvez um dia, descortinar que raio fizemos nós ao nosso rectângulo.
O que me tem tirado o sono não tem sido a sua leitura, mas antes o temor de, após o ler, perceber que podia ter sido escrito ontem, ou anteontem. Vou transcrever um pouco  do Intróito, que é o culpado desta minha inquietação.

'Não é fácil escrever um livro sobre a génese e as consequências do 25 de Abril (...).
É um período crucial e decisivo da História de Portugal (...). Um período em que se gerou um país diferente.
O Portugal da Europa está em crise. A sua existência está em perigo. Neste processo houve de tudo. Uma revolução sem flores, sem sangue, animada de profundo idealismo e de esperança (...). Assistimos ao derrube de uma ditadura e sentimos o respirar ansioso da Liberdade. Mas, vimos também o espectro da ditadura mais ignominiosa e impiedosa que nem a História da Pátria respeitava.
Condenou-se uma polícia política de cujos crimes os responsáveis devem ser inexoravelmente julgados, mas permitiu-se a perseguição arbitrária por autênticos bandos de malfeitores, tantas vezes fardados, à mistura com estrangeiros da escória internacional.
Defendeu-se o combate à corrupção, mas gerou-se uma classe de corruptos a esbanjar os bens do Estado. Defendeu-se uma sociedade utópica sem classes, mas criaram-se novas classes exploradoras do Povo, com regalias e benefícios ímpares (...) A anarquização da educação, em fase incipiente de democratização, é uma realidade. O sistema de saúde aperfeiçoou-se, mas para a exploração do homem. Aqui, como nos outros sectores da vida nacional, o socialismo morreu na incapacidade.
A Revolução de Abril era necessária em 74. A Revolução de Abril continua a ser necessária hoje.
(...)
Como foi possível associar associar ideais de Liberdade e Democracia à traição? (...)
É que a ditadura de um Salazar com dimensão de estadista, mas sem visão de progresso, e a administração sem grandeza de Marcelo foram substituídas pela gestão de revoadas de medíocres sem competência. Se contribuí para substituir os primeiros, nunca pensei que o País fosse dominado pelos últimos.
(...)
Fiel aos ideais democráticos que proclamei na madrugada de 26 de Abril de 1974, as análises aqui contidas são determinadas pela crítica aos que se desviaram da rota desses ideais e têm, fundamentalmente, em vista o saneamento moral da geração a que compete reconstruir o presente e projectar o futuro. (...)
Nesta linha de pensamento, entrego à reflexão dos portugueses o presente livro, escrito sem qualquer outro intuito que não o de contribuir para que o meu País continue a ser PORTUGAL.'
1978, António de Spínola