Estou assim porque ele não tem uns dezanove anos iguais aos meus. Nem podia ter.
O Bernardo (que não se chama, obviamente, Bernardo) soube ainda criança que tinha um tumor mesmo ao pé do sorriso. Na cara.
E no meio da crise anunciam ao Bernardo que tem mais dois habitantes a morar com o já antigo inquilino. Depois de não poder retomar quimioterapia porque a aorta não aguenta mais. A aorta de dezanove anos. A história é triste mas não foi aqui que engoli em seco.
Um destes dias o Bernardo foi fazer uma ressonância que durou uns módicos quarenta minutos. E ninguém sequer tapou o Bernardo, que estava gelado quando a mãe o recebeu.
Mais? Mais. Ao retirarem onze nódulos do pescoço do Bernardo, num outro dia destes, uma médica e uma técnica, com preguiça de ligar o laser, retiraram-nos a sangue frio. Perguntou, no fim, uma mãe desolada: faria isto ao seu filho? Faria isto ao SEU filho? Eu pergunto-me se, mesmo sabendo que nada resolve a violência, não lhe responderia com a direita, bem cerrada no meio dos olhos.
Vem a cereja no topo do bolo. A desolada mãe que atura médicos ignóbeis foi, num ainda outro dia destes, fazer uma doação no IPO, para o filho, ou para quem necessitasse. No fim de um longo processo que envolveu retirarem-lhe um qualquer pedaço do corpo perto da anca, pediram-lhe dois mil euros. A opção de doação foi sua, disseram eles. E foi opção dela também recorrer a um familiar para pagar a conta. Não fosse o marido estar a fechar a empresa e talvez tivesse conseguido pagar em prestações.
Não sei se passa o quão triste me sinto com isto. Gostava que conhecessem os olhos do Bernardo para perceberem porque estou a chorar agora. Há poucas pessoas neste mundo que tenho vontade de abraçar indefinidamente. Até que o mundo se calasse.
1 comentário:
Esta história faz os bem de saúde questionar Deus. Esta mesma história faz os mal de saúde invocar Deus. Com Ele ou sem Ele, a sorte anda à solta... Infelizmente para esta família Bernardo, porque não acredito que já lhe tenham posto os olhos em cima.
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