sexta-feira, 1 de julho de 2011

Valbom

Era uma festa ter que ir buscar frangos à Cotovia de bicicleta. Nem sempre tínhamos permissão para sair do parque de bicicleta, ou melhor, só tínhamos permissão para sair no caso de ser para ir buscar o jantar. Os pais portugueses têm destas incongruências!
O primeiro troço era chato, ligeiramente a subir e com brita que saltava e volta e meia nos batia nas pernas com uma força considerável. O segundo estava acabadinho de alcatroar e ainda cheirava a novo, um verdadeiro mimo.
Lá metemos os pés nas nossas adoradas amigas de verão e seguimos rumo à churrasqueira com o vento fresco do fim da tarde a acalmar-nos a pele dos três meses de sol, sal e cloro da bela vida que a idade e bom comportamento nos permitiam. Comprámos dois frangos e batatas fritas que o Joca, alcunha que foi perdendo com o tempo para um estrangeirismo (mas para mim será sempre o Joca), colocou num saco plástico e pendurou no extremo direito do seu guiador. E já me estou a rir com a porcaria da história. Nunca consegui contar isto sem ter que parar para me rir.
Tudo a postos para o regresso, ligeiramente a descer. A técnica era aproveitar o alcatrão novo para acelerar o mais que pudéssemos para depois descansar até à meta enquanto a brita nos embalava e fazia rir com um som tremido que conseguíamos emitir devido à nossa própria trepidação. Não consigo descrever melhor este som sem ser ao vivo.
Meio caminho volvido, na gáspea máxima que as nossas pequenas pernas conseguiam imprimir às bicicletas e já muito perto do alcatrão, o Joca ganha uns escassos metros de avanço e, ao transitar do alcatrão para a brita nota que se formou um desnível, talvez causado pela passagem constante dos carros, que quase o faz perder o controlo do seu velocípede. Poucos milésimos de segundo depois, sem tempo de qualquer travagem apercebo-me do socalco, enteso os braços e cerro os dentes com a toda a minha força preparando-me para o monumental tralho que se avizinhava.
A minha bina assim que sentiu o desnível resolveu levantar voo e aterrou precisamente quando o extremo esquerdo do guiador se foi enfiar na alça do saco dos defuntos galináceos que repousavam no extremo direito do guiador do Joca. Em pouco tempo ocupámos ambas as faixas de rodagem. Eu, o Joca, as bicicletas, o saco, os frangos e as batatas, que notavelmente se mantiveram no pacote.
Escusado será dizer que se o sucedido fosse descoberto pelas entidades paternas nunca mais iríamos buscar jantar a lado nenhum sem ser a pé portanto, depois de conseguirmos parar de rir, levantámos os frangos, levantámo-nos a nós, enfiamos tudo no que restava do saco e lá fomos devagarinho até ao parque de campismo. Entrámos como se o branco do pó da brita e o vermelho do sangue escarrapachado nos joelhos e nos cotovelos fossem parte de nós e seguimos direitinhos aos balneários mais longe de minha casa (porque era na minha casa que estavam as entidades paternas à espera do pitéu) lavar toda aquela poeira dos joelhos, dos cotovelos e dos frangos, para que ninguém desse por nada. E não deu.
Até hoje (e com isto talvez não passe de hoje) nenhum deles deu conta de nada. E ao pé do que me ardiam os joelhos sem poder exprimir um 'aizinho', o sabor do frango rastejante estava uma delícia. Nunca me hei-de esquecer destes frangos que me causaram o mais extraordinário tralho da minha vida.


1 comentário:

AF disse...

Ahahah! Pobre do frango voador! Isso seria muito mais giro ao vivo... mas voltas a contar-me isso Domingo. Imagino a vossa vontade de rir ao disfrutarem o galináceo, muito compostinhos e arranjadinhos! :p