quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Coragem é outra coisa

15/01/2012 por
(Enviado pela A., que anda sempre a descobrir estas pérolas)




Olá, espero que estejas bem.
Escrevo-te por egoísmo. Fui encontrando por aí, nas últimas semanas e por culpa de um texto que escrevi, elogios à minha suposta coragem. Mas sempre que me chamam corajoso apareces tu. E ficas por aqui até eu ser capaz de destruir esta coisa tão minha de acreditar, ou querer acreditar à força, na existência de um herói romântico cá dentro.
As pessoas confundem coragem com dever cívico. Eu não fui corajoso, nem deixei de ser. Escrevi um texto. Gritei com os dedos. Senti que devia escrever e escrevi. Coragem é outra coisa. Ninguém é mais ou menos corajoso por narrar aquilo que toda a gente vê. Coragem e indignação são coisas diferentes. Exprimir o sentir de uma geração e ser reconhecido por isso é motivo de orgulho. É. Mas não é um acto de coragem. Coragem é escrever cartas de amor a um sábado à noite e deixar o mundo ler.
Escrevi-te algumas. Nunca que te disse. Não te mostrei. O mundo não sabe que escrevo coisas destas. As cartas de amor são sempre ridículas. Mas as dos outros são ainda mais ridículas. Parece que carregamos todos esse medo: o de parecermos ridículos aos olhos daqueles que nunca escreveram uma carta de amor. Ter coragem é perder esse medo.
Num tempo em que partilhamos tudo: fotografias, músicas, notícias e vídeos, porque é que não partilhamos cartas de amor? Porque é que não lançamos cartas na rede? Porque é que não nos ligamos às cartas de amor uns dos outros? Eu não tenho medo de escrever cartas de amor, nem que me achem ridículo. Tenho é medo que me respondam. Por isso é que nunca arrisquei. Foram ficando por aqui. Há uns meses, num rasgo de coragem, pensei engarrafar a última e lançá-la ao rio. Acobardei-me. Não conheço as marés. Começava assim:
“Subi as escadas na ânsia de escrever uma carta de amor, mas não estou apaixonado. Ninguém escreve cartas de amor a um sábado à noite, muito menos sem estar apaixonado.
Tenho saudades daquilo que não fui contigo. Das coisas que nunca te disse. As outras também não disse: foram morrendo antes de ter tido a bravura de deixar-te vivê-las. As palavras que guardei não são minhas, são nossas. Foram nossas. Agora são tuas: aprendi a viver com elas como se já não fizessem parte de mim. Nunca te falei como queria, nem como sentia que te perdia. Nunca me despi devagarinho, sílaba a sílaba, como naquela primeira noite em que o mar deixou de enrolar a areia daquela praia. Aquela. Apaixonaste-te. Mesmo assim apaixonaste-te. E eu apaixonei-me pela ideia de ter alguém apaixonado por mim, assim, de repente, sem me pedir o mesmo. Sempre pensei que a paixão chegaria de outra forma: caprichosa, exigente, como eu.
Transformaste tudo. Desde a minha ideia de paixão até à cega paixão de mim por mim. Transformaste tudo numa noite de sábado como esta: apagaram as luzes da ponte e fizeram desaparecer o Cristo Rei. Parece que a cidade decidiu dormir e entregar-se ao sono que experimentei enquanto estiveste aqui. Vale-me o eléctrico.
Aprender a viver com saudades tuas é a paz vista desta janela. Lá vai o quinze. Chia, como sempre. E enquanto chia lembra que o silêncio é tantas vezes um acto de coragem. Como no dia em que guardaste para sempre a resposta à minha pergunta: E porque não tentamos outra vez? Outra e mais outra e mais outra. As vezes que tu achares que são precisas para eu ser outra coisa. Porquê?
O eléctrico já lá vai. Última paragem: Algés. Enquanto vai e volta vou desfiando a saudade.
Queria voltar a falar do azul dos teus olhos e desses caracóis dourados. Queria voltar a sussurrar-te contos de fadas e as aventuras “do príncipe”. Queria gozar outra vez com os teus pés, enormes, e implicar com a areia da praia que deixavas na banheira. Queria dizer-te tudo outra vez, de outra maneira. As praias onde nos perdemos têm hoje mais rocha. Estive lá. Há um bocadinho de ti em cada uma delas. De mim, pouco, muito pouco. Entretanto, aprendi mais coisas sobre aquelas estrelas que te fui mostrando enquanto complicávamos o trânsito na A2. Queres saber? Não importa. Eu continuo cheio de vontade de te contar.
A saudade vive deste gosto pelo ausente. Deste “like” permanente anotado nas coisas que vivemos ou que deixamos por dizer. Todo o homem é livre de não voltar atrás. Mas não há liberdade que assalte esta coragem: a de escrever cartas de amor a um sábado à noite e deixar o mundo inteiro ler.”
Beijo
 
 

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