segunda-feira, 26 de maio de 2014

Paga a farmácia

Texto de MEC, original aqui. Li ontem no tal livro que recebi no Natal.


'Não posso dizer ao certo onde nem quem, para não criar sarilhos a quem vou louvar. Foi algures na região de turismo do Oeste. Vi um assador de castanhas à porta de uma farmácia. Antes de me aviar com uma dúzia delas, aproveitei para entrar na farmácia e comprar umas mariquices. Pela primeira vez na vida, fizeram-me um desconto. O total era 84 e tal euros e a farmacêutica disse: "Fica 80." Quando perguntei ao assador quanto era a dúzia, ele respondeu: "Tem senha?" "Qual senha?" O homem manteve o enigma: "O senhor não fez compras na farmácia?" "Sim, claro", disse eu, abanando o saquinho das compras. E ele, já com cautela diplomática: "Não lhe deram uma senha?"
Lá saquei da carteira, recheada de talões que datam do século XX, para mostrar o recibo: "Não, não é isso." E já numa voz strictly business, disse: "É um euro a meia dúzia." Comprei uma dúzia e sentei-me num banco a comê-las. Estavam perfeitas. Decidi ir dar os parabéns ao assador. Nisto, emerge um senhor da farmácia, entrega uma senha e leva, inteiramente grátis, meia dúzia de castanhas. "Era esta a senha", esclareceu o assador, com pena fingida de mim. Mas eu já estava a sorrir por haver em Portugal uma farmácia que oferece meia dúzia de castanhas aos clientes. Não me chateou nada ter sido excluído. Deve ter sido por causa do desconto, pensei.
Dias depois, quando fui arrumar a carteira, encontrei a tal senha. Colei-a na capa do meu caderno e sempre que olho para ela, volto a sorrir.'

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