quarta-feira, 12 de junho de 2013

As ONG


Tenho arrastado (o termo será 'adiado', eu sei, mas há  dezenas de coisas que apontei há meses, e têm sido, literalmente, arrastadas de semana para semana) na agenda escrever alguma coisa no blog sobre ONG. Mas a verdade é que nem sei bem o que escrever dado que é um assunto sobre o qual a minha opinião vai mudando à medida que o tempo passa..
Um dia destes, num braai, ouvi que as ONG são óptimas para os queques. Vêm um mês para África, pagam um dinheirão para dormir no chão e comer porcarias e ao fim de um mês voltam para casa a achar que mudaram o mundo quando não mudaram coisa nenhuma.
É mentira? Não. Fazer voluntariado, pelo conhecimento que tenho, fica para cima de um balúrdio. Pagam-se as viagens, as deslocações, a estadia, a comida e ainda uma doação à instituição. Não sei se é assim em todas, espero que não.
Não posso, ou não devo (e não vou), falar do meu caso específico. Primeiro porque ainda nem tinha saído de Portugal e já me estavam a dizer que não o podia fazer. Segundo, porque não ia ser nada bonito.
Mas a questão prende-se com várias frentes. Com a efectiva entrega de bens e ajudas a quem precisa. Com a pertinência e real necessidade dessas ajudas. Com os meios utilizados para atingir fins. Por aí fora..
Por exemplo, quando em Portugal juntamos livros escolares para mandar sabe Deus para onde, será que nos lembramos que o conteúdo programático pode (pois que é mesmo) ser diferente? Será que temos o cuidado de pôr de parte os livros da nossa história (que conta uma versão diferente da história de outros povos, que pode não querer sequer ouvir falar na nossa)? Será que nos lembramos que em Portugal também há crianças a estudar que vão agradecer os livros, porque mesmo que não passem fosse poupam um ordenado aos pais?
Aprofundando mais um pouco, no caso moçambicano, as crianças não precisam de mochilas nem de lápis e canetas (felizmente em Maputo a realidade já não é esta) porque não têm livros para carregar para a escola, nem cadernos para escrever. As suas preocupações são carregar água para beber e para tomar banho. Tomar conta dos irmãos mais novos. Ir para a machamba ajudar a mãe.
Os professores, com sorte, têm um livro que partilham com todos os alunos e um quadro para escrever.
Da última vez que estive em Portugal, em conversa com uma pessoa que admiro muito e há muitos anos, e que conhece bem este país, apercebi-me da gravidade desta situação. Deste povo que é subnutrido desde a fecundação. Um povo que é carregado numa barriga trabalhadora com fome e com sede. Quanto não paga um corpo no seu desenvolvimento?
Mas voltando às ONG, para ajudar, há uma boa percentagem de gente que vem voluntariar por alguma razão paralela. Desamores e depressões são mato. E aliar isto a uma mudança radical de vida, de alimentação e de ambiente, pode ser uma maravilha ou pode ser o fim do mundo em cuecas.
Não vou nem tocar nas convicções e objectivos de quem forma e gere organizações em sítios destes a partir da outra ponta do mundo, a ponta limpinha. Aí estarei a ser, certamente, muito injusta com algumas almas caridosas.
E qual foi a organização que se lembrou de vir pintar passadeiras para Moçambique? Só quem cá nunca meteu os pés e quase foi abalroado é que não sabe que são de tinta invisível. Pergunto-me para quê gastar dinheiro com isto e com tantas outras coisas se no final do dia, nada mudou. Nada.

1 comentário:

Luísa Sousa disse...

Tenho pena que não tenhas "podido" desenvolver mais a tua experiência e a tua opinião sobre esta questão, uma vez que conheces essa realidade melhor que eu. Também me faz alguma confusão a dinâmica dos voluntáriados de luxo, pagos a preço de ouro. Parece contraproducente pagar rios de dinheiro para que pessoas de posses possam ir ajudar pessoas com pouco ou quase nada...

Gostei muito da frase "Só quem cá nunca meteu os pés e quase foi abalroado é que não sabe que são de tinta invisível." :)