terça-feira, 13 de setembro de 2011

Da minha janela

Amo o chão deste quarto como todos os seus outros pedaços. É o topo de um ninho onde se concentram todos os seus vapores. Aqui respiro todas as festas de aniversário em que corri pela casa com copos cheios de chantilly que a Alexandrina me deixava comer. Aqui guardo um berço oferecido por duas estrelas quando eu ainda nem as conseguia ver. Aqui guardo um baú que o Manuel fez às três pancadas com todos os postais e os bilhetes. Aqui mora a arrumação por que sou, frequentemente, gozada. Aqui moram lembranças de cada dia e de cada passo. Aqui guardo a foto mais bonita e as lágrimas mais pesadas. Aqui guardo a rede onde dormi uma só vez. Aqui guardo os vestígios de um assaltante de bases-de-duche que é metade do meu próprio corpo. Aqui prendo tudo a mim como se não houvesse nada mais lá fora. Aqui cheiro um arroz doce que não há em mais canto nenhum do mundo e ouço as marteladas mais desajeitadas que Deus ao mundo deitou. Desta janela espreito tão bem Camden como o Palácio da Pena. Vejo o Vale de Góis, a Verdizela e vejo agora tão bem um quartel cheio de botifarras. Vejo a Vidigueira e a Afurada e até vejo São Bernardino. Vejo um quarto de vida. Nos dois sentidos que me lembro agora.

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