quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Como deve ser

Quantas vezes fazemos coisas a brincar por não podermos, seja lá por que razão for, fazê-las a sério? Quantas vezes se compram marcas falsas por não termos dinheiro, ou não o querermos gastar, numa verdadeira? Quantas vezes olhamos para outras vidas e as desejamos por não termos ambição, ou tomates, de lutar pela nossa? Quantas vezes apregoamos ser ou fazer coisas que por incapacidade, ou preguiça, não somos nem fazemos?
Porque não olhamos para as nossas medidas e vivemos à medida da mesma? Porque não compramos uma mala da Zara ou mesmo uma artesanal em vez de uma Louis Vouitton da feira de Carcavelos? Porque não levamos as nossas crianças a uma biblioteca em vez de as enfiarmos no Colombo? Porque não vamos caminhar na praia ao fim do dia em vez de ver telenovelas merdosas?
Parece-me que se passam vidas inteiras sem que se levem as coisas a fundo. Sem que se leia o que realmente de quer ler, sem que se veja o que realmente se quer ver. No limite, que se crie uma criança confiando na televisão e na playstation sem que se lhe mostre o mundo e se lhe ensine alguma coisa.
Sem máscaras e sem presunções, acordar como deve ser, trabalhar como deve ser, comer como deve ser, namorar como deve ser, sair à noite como deve ser, ser pai como deve ser. Viver como deve ser. E o que não se pode ou não se quer fazer, não se fazer mais ou menos, mas simplesmente não fazer.
Como deve ser quer para mim dizer com convicção, com brio, com orgulho. Sem máscaras e sem presunções.

Tive que ir ao google ver como é que se escreve Louis Vuitton.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Branca de neve

Há histórias maravilhosas em que só de meter o pé dá medo.. Em vez de castelos e princesas encontramos guerreiros e muralhas, sempre a merda das muralhas. Guerreiros da vida e do mundo que nos engolem num minuto com tamanha vida e coração. Guerreiros que nos fazem tremer as pernas com tanta bagagem que carregam e ficamos meio perdidos sem saber que vida escolher. Começam-nos a pesar os contos, as fadas, as bruxas e ficamos com a maçã na mão sem saber que lhe fazer. E eu nunca tive jeito para ser princesa.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Mabanwane

Mais um dia cheio. Esta aldeia é Mabanwane, bem mais pobre que o Chibuto. Sem água e sem energia mas com muitos sorrisos. E de repente o universo troca-nos as voltas e num segundo estamos a ponderar tudo de novo.
















segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Eu já dancei com a chuva

Com uma chuva torrencial misturada com muito boa música e muito boa gente num sítio muito peculiar. E o som daquela chuva intensa a cair-me em cima do cabelo solto e a encharcar-me a roupa e a alma ao lado de todos os que como eu a medo, um a um, se juntavam aquela magia e se deixavam levar. Sapatos largados, camisas ensopadas, sorrisos até ao fim de um qualquer mundo e gargalhadas de êxtase. Assim sem avisar chega um dos momentos mais especiais das nossas vidas e faz com que o nosso sorriso fique preso dois dias a pensar naqueles dez minutos de emoção. Eu já dancei com a chuva.

domingo, 14 de outubro de 2012

Casa nova

Vida nova.
É bom ser recebida, é muito bom ser bem recebida.
E tenho aquela sensação miudinha de ser mais um primeiro dia do resto da minha vida. Depois de um mês difícil, cheio de turbulência, vem um conforto daqueles que não se paga juntamente com uma vista maravilhosa. E cheguei mesmo a tempo de ver o pôr-do-sol, da minha nova janela.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Hoje, que chuvisca

Posso dizer-te que todos os dias te quero aqui. Posso dizer-te de maneiras diferentes que te quero de forma diferente a cada dia que passa. Posso dizer-te tudo o que sinto e tudo o que julgo sentir, tudo junto ou de forma separada. Posso sorrir-te todas as manhãs sem que me vejas, de longe, na minha janela. Posso despedir-me devagarinho por não saber até quando dura isto que trago comigo porque não me sei despedir de uma só vez, nunca soube. Posso pintar as unhas para que as vejas e as comentes como de resto sempre fazes. Posso fingir-me distraída mais logo quando souber que tens os olhos pousados nos meus movimentos. Posso ficar calada e enterrar-me apenas nos lençóis e nas lembranças que trago tuas e que me arrancam sorrisos. Posso até não fazer nada, mas isso não sou eu.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

A Inocência

No Expresso de ontem, por Miguel Sousa Tavares

Há alguns incompetentes, mas poucos inocentes. 
O que poderemos nós pensar quando, depois de tantos anos a exigir o fim das SCUT, descobrimos que, afinal, o fim das auto-estradas sem portagens ainda iria conseguir sair mais caro ao Estado? 
Como caixa de ressonância daqueles que de quem é porta-voz (tendo há muito deixado de ter voz própria), o presidente da Comissão Europeia, o português Durão Barroso, veio alinhar-se com os conselhos da troika sobre Portugal: não há outro caminho que não o de seguir a “solução” da austeridade e acelerar as “reformas estruturais” ? descer os custos salariais, liberalizar mais ainda os despedimentos e diminuir o alcance do subsídio de desemprego. Que o trio formado pelo careca, o etíope e o alemão ignorem que em Portugal se está a oferecer 650 euros de ordenado a um engenheiro electrotécnico falando três línguas estrangeiras ou 580 euros a um dentista em horário completo é mais ou menos compreensível para quem os portugueses são uma abstracção matemática. Mas que um português, colocado nos altos círculos europeus e instalado nos seus hábitos, também ache que um dos nossos problemas principais são os ordenados elevados, já não é admissível. Lembremo-nos disto quando ele por aí vier candidatar-se a Presidente da República. 
Durão Barroso é uma espécie de cata-vento da impotência e incompetência dos dirigentes europeus. Todas as semanas ele cheira o vento e vira-se para o lado de onde ele sopra: se os srs. Monti, Draghi, Van Rompuy se mostram vagamente preocupados com o crescimento e o emprego, lá, no alto do edifício europeu, o cata-vento aponta a direcção; se, porém, na semana seguinte, os mesmos senhores mais a srª Merkel repetem que não há vida sem austeridade, recessão e desemprego, o cata-vento vira 180 graus e passa a indicar a direcção oposta. Quando um dia se fizer a triste história destes anos de suicídio europeu, haveremos de perguntar como é que a Europa foi governada e destruída por um clube fechado de irresponsáveis, sem uma direcção, uma ideia, um projecto lógico. Como é que se começou por brincar ao directório castigador para com a Grécia para acabar a fazer implodir tudo em volta. Como é que se conseguiu levar a Lei de Murphy até ao absoluto, fazendo com que tudo o que podia correr mal tivesse corrido mal: o contágio do subprime americano na banca europeia, que era afirmadamente inviável e que estoirou com a Islândia e a Irlanda e colocou a Inglaterra de joelhos; a falência final da Grécia, submetida a um castigo tão exemplar e tão inteligente que só lhe restou a alternativa de negociar com as máfias russas e as Three Gorges chinesas; como é que a tão longamente prevista explosão da bolha imobiliária espanhola acabou por rebentar na cara dos que juravam que a Espanha aguentaria isso e muito mais; como é que as agências de notação, os mercados e a Goldman Sachs puderam livremente atacar a dívida soberana de todos os Estados europeus, excepto a Alemanha, numa estratégia concertada de cerco ao euro, que finalmente tornou toda a Europa insolvente. Ou como é que um pequeno país, como Portugal, experimentou uma receita jamais vista ? a de tentar salvar as finanças públicas através da ruína da economia ? e que, oh, espanto, produziu o resultado mais provável: arruinou uma coisa e outra. E como é que, no final de tudo isto, as periferias implodiram e só o centro ? isto é, a Alemanha e seus satélites ? se viu coberto de mercadorias que os seus parceiros europeus não tinham como comprar e atulhado em triliões de euros depositados pelos pobres e desesperados e que lhes puderam servir para comprar tudo, desde as ilhas gregas à água que os portugueses bebiam. 
Deixemos os grandes senhores da Europa entregues à sua irrecuperável estupidez e detenhamo-nos sobre o nosso pequeno e infeliz exemplo, que nos serve para perceber que nada aconteceu por acaso, mas sim porque umas vezes a incompetência foi demasiada e outras a inocência foi de menos. 
O que podemos nós pensar quando o ex-ministro Teixeira dos Santos ainda consegue jurar que havia um risco sistémico de contágio se não se nacionalizasse aquele covil de bandidos do BPN? Será que todo o restante sistema bancário também assentava na fraude, na evasão fiscal, nos negócios inconfessáveis para amigos, nos bancos-fantasmas em Cabo Verde para esconder dinheiro e toda a restante série de traficâncias que de há muito - de há muito! - se sabia existirem no BPN? E como, com que fundamento, com que ciência, pode continuar a sustentar que a alternativa de encerrar, pura e simplesmente, aquele vão de escada “faria recuar a economia 4%”? Ou que era previsível que a conta da nacionalização para os contribuintes não fosse além dos 700 milhões de euros? 
O que poderemos nós pensar quando descobrimos que à despesa declarada e à dívida ocultada pelo dr. Jardim ainda há a somar as facturas escondidas debaixo do tapete, emitidas pelos empreiteiros amigos da “autonomia” e a quem ele prometia conseguir pagar, assim que os ventos de Lisboa lhe soprassem mais favoravelmente? 
O que poderemos nós pensar quando, depois de tantos anos a exigir o fim das SCUT, descobrimos que, afinal, o fim das auto-estradas sem portagens ainda iria conseguir sair mais caro ao Estado? Como poderíamos adivinhar que havia uns contratos secretos, escondidos do Tribunal de Contas, em que o Estado garantia aos concessionários das PPP que ganhariam sempre X sem portagens e X+Y com portagens? Mas como poderíamos adivinhá-lo se nos dizem sempre que o Estado tem de recorrer aos serviços de escritórios privados de advocacia (sempre os mesmos), porque, entre os milhares de juristas dos quadros públicos, não há uma meia dúzia que consiga redigir um contrato em que o Estado não seja sempre comido por parvo? 
A troika quer reformas estruturais? Ora, imponha ao Governo que faça uma lei retroactiva - sim, retroactiva - que declare a nulidade e renegociação de todos os contratos celebrados pelo Estado com privados em que seja manifesto e reconhecido pelo Tribunal de Contas que só o Estado assumiu riscos, encaixou prejuízos sem correspondência com o negócio e fez figura de anjinho. A Constituição não deixa? Ok, estabeleça-se um imposto extraordinário de 99,9% sobre os lucros excessivos dos contratos de PPP ou outros celebrados com o Estado. Eu conheço vários. 
Quer outra reforma, não sei se estrutural ou conjuntural, mas, pelo menos, moral? Obrigue os bancos a aplicarem todo o dinheiro que vão buscar ao BCE a 1% de juros no financiamento da economia e das empresas viáveis e não em autocapitalização, para taparem os buracos dos negócios de favor e de influência que andaram a financiar aos grupos amigos. 
Mais uma? Escrevam uma lei que estabeleça que todas as empresas de construção civil, que estão paradas por falta de obras e a despedir às dezenas de milhares, se possam dedicar à recuperação e remodelação do património urbano, público ou privado, pagando 0% de IRC nessas obras. Bruxelas não deixa? Deixa a Holanda ter um IRC que atrai para lá a sede das nossas empresas do PSI-20, mas não nos deixa baixar parte dos impostos às nossas empresas, numa situação de emergência? OK, Bruxelas que mande então fechar as empresas e despedir os trabalhadores. Cumpra-se a lei! 
Outra? Proíbam as privatizações feitas segundo o modelo em moda, que consiste em privatizar a parte das empresas que dá lucro e deixar as “imparidades” a cargo do Estado: quem quiser comprar leva tudo ou não leva nada. E, já agora, que a operação financeira seja obrigatoriamente conduzida pela Caixa Geral de Depósitos (não é para isso que temos um banco público, por enquanto?). O quê, a Caixa não tem vocação ou aptidão para isso? Não me digam! Então, os administradores são pagos como privados, fazem negócios com os grandes grupos privados, até compram acções dos bancos privados e não são capazes de fazer o que os privados fazem? E, quanto à engenharia jurídica, atenta a reiterada falta de vocação e de aptidão dos serviços contratados em outsourcing para defenderem os interesses do cliente Estado, a troika que nos mande uma equipa de juristas para ensinar como se faz. 
Tenho muitas mais ideias, algumas tão ingénuas como estas, mas nenhumas tão prejudiciais como aquelas com que nos têm governado. A próxima vez que o careca, o etíope e o alemão cá vierem, estou disponível para tomar um cafezinho com eles no Ritz. Pago eu, porque não tenho dinheiro para os juros que eles cobram se lhes ficar a dever.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Nós por cá

Quase no seguimento do post anterior, porque na verdade todos estes assuntos se tocam, e também no seguimento de ter acabado de ler este post da Blackie, sua realeza, princesa do Limpopo, após termos passado o fim-de-semana na praia do Tofo, Inhambane, com uma bela tropa. Em boa verdade diga-se que para eles foi fim-de-semana de praia e copos, para mim de cama e chá, mas foi bom na mesma.

A verdade é que também nos assustam as notícias chegadas de Portugal. A verdade é que também aqui são conversa constante a cada encontro nosso. A verdade é que se nos metem invariavelmente em cima da mesa todos os medos e preocupações, tanto daqui, como daí.
Porque não é fácil viver num país onde as pessoas que mais tememos são os polícias. Ter que viver com enlatados e água suficientes para uma semana porque nunca se sabe.. Desaprender que as passadeiras são apenas riscos no chão, mesmo quando vamos a conduzir, ou corremos o risco de levar com o carro que nos seguir em cima. Tomar consciência que nem sempre há água, nem sempre há energia, nem sempre há internet, nem sempre há tv, nem sempre há coisas básicas no supermercado, nem sempre há álcool na farmácia, nem sempre há casa-de-banho no hospital. Não vale a pena continuar.

Mas o que passa no facebook são as fotos das mariscadas em praias paradisíacas que custam o mesmo que qualquer jantarada regada no bairro alto, e as fotos com crianças descalças e desdentadas com sorrisos até ao pôr-do-sol. E há quem tenha o desplante de achar que é a isso que se resume o que por aqui se faz.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Mas quem é que aguenta

um estômago destes?
Ao fim do sexto dia sem comer (e que belo avanço levou a dieta) lá fui eu direitinha à Clínica Privada de Maputo. Um pé na Europa, para quem deseja matar saudades.. e um descanso muito maior que o hospital público, não é que tenha tido grandes experiências aqui, mas o provincial de Inhambane não me deixou muito descansada.
Lembro-me de uma vez nas urgências do Amadora-Sintra um senhor berrar porque era inadmissível a casa-de-banho não ter chave, 'onde está o nosso direito de privacidade?' gritava para desconsolo de quem se encontrava realmente doente. Cá para mim é uma medida de segurança, pois a probabilidade de um doente de urgência usar a casa-de-banho e ter um fanico é grande, para além de que quando estamos mesmo mal, que se lixe a privacidade, mas isto sou eu.. Voltando ao hospital de Inhambane, não tinha casas-de-banho. Enquanto esperava pelos resultados do teste da malária fui num instante ao outro lado da rua, atrás de um arbusto.
Mas na verdade, abala-nos muita coisa quando estamos em solo diferente e com tanta história e dificuldade que em tom de brincadeira partilhamos no café. Falta-nos uma segurança real, um aconchego de que se alguma besta fizer alguma coisa errada vamos ter a oportunidade de chamar alguém que lhe seja superior e remediar alguma coisa. Aqui as bestas são muitas vezes ao contrário. São bestas que lutam com o que não têm e com o que não sabem para casmurramente tentar fazer um pouco mais. E quanto a isto, não podemos fazer muito, mesmo quando lutamos pela nossa saúde, em extremo, pela nossa sobrevivência. Resta-nos ter coragem, ou resta-nos desistir e voltar à nossa zona de conforto.



quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Viver no mato é..

ter que esperar que os morcegos saiam da minha casa-de-banho para a sua volta de fim de tarde para eu poder fazer xixi.